O pacote de concessões de ferrovias, cujas primeiras licitações
estão previstas para o primeiro semestre, está atraindo as atenções de
empresas que hoje não atuam nesse setor. Dispostas a adicionar mais uma
atuação a seu escopo de negócios, companhias como Odebrecht TransPort,
CCR, Invepar e JSL já declararam que possuem interesse no modal.
As atenções estão voltadas ao plano do Planalto de atrair
investimentos de R$ 91 bilhões às estradas de ferro do país em 12
trechos a serem concedidos. Anunciado em agosto, o cronograma prevê a
publicação dos primeiros editais em março de 2013, licitações em abril e
assinatura de contratos até julho. Esse primeiro grupo de projetos,
considerado mais atrativo pelo mercado, inclui os tramos norte e sul do
Ferroanel de São Paulo; o acesso ao porto de Santos; o trecho entre
Lucas do Rio Verde (MT) e Uruaçu (GO); a extensão norte da Norte-Sul,
entre Açailândia (MA) e Vila do Conde (PA); além do trecho entre Estrela
D'Oeste, Panorama (SP) e Maracaju (MS), que ligará a Norte-Sul com a
malha da América Latina Logística (ALL) até o porto de Santos.
Para a Odebrecht TransPort, atuar em ferrovias é interessante por ser
um complemento a atividade portuárias - investimento que está entre
suas prioridades. "Na nossa visão, ferrovia tem que estar ligada a
porto. Então temos sim interesse em estudar e avaliar. Seria em portos
que temos agora ou que tenhamos no futuro", disse o presidente da
empresa, Paulo Cesena, em entrevista ao Valor. A companhia participa de
investimentos em dois ativos portuários, em Santos (SP) e Vila Velha
(ES).
O interesse das empresas é explicado em parte pelo novo modelo a ser
aplicado nessas concessões, diferente do que foi elaborado para os
contratos firmados nos anos 90. Pelas regras do governo Dilma, após a
escolha da concessionária do trecho - que ficará responsável pelos
investimentos em obras e manutenção da via -, a União comprará dessa
empresa toda a capacidade de movimentação na estrada de ferro. Ou seja, o
governo bancará todo o risco de demanda.
Além desse tipo de contrato, as empresas podem escolher ser
transportadoras de carga nas ferrovias, após comprar uma cota de
participação em determinado trecho. Portanto, são duas oportunidades
para explorar o modal: como concessionário ou como transportador de
cargas. Cada empresa deve escolher apenas um tipo de atuação, segundo as
regras do governo. Com essa separação, o governo pretende eliminar
monopólios nas estradas de ferro.
Especializada em concessões, a CCR já foi liberada pelos
controladores Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa e Soares Penido a
estudar as oportunidades em ferrovia, mas vê riscos em ser
concessionária do modal - já que a remuneração é feita pelo governo.
"Uma coisa é eu ter uma rodovia que você passa lá e paga pedágio. Outra é
você pagar todo o pedágio pro governo e depois o governo me pagar.
Aumenta brutalmente o risco, na nossa avaliação", disse o presidente da
CCR, Renato Vale, em entrevista recente ao Valor. Segundo o executivo, a
companhia também vai estudar ser uma transportadora de cargas.
Movimentar cargas nas ferrovias também é um interesse da operadora
logística JSL, que hoje atua principalmente nas rodovias. A companhia
pode começar a atuar nas estradas de ferro como operadora independente.
"Isso é algo que vai depender de um cliente nosso que desejar serviços
na ferrovia", disse recentemente o presidente da JSL, Fernando Simões.
Ele descarta uma eventual atuação como concessionário.
O presidente da Invepar, Gustavo Rocha, disse recentemente que,
embora não tenha plano de entrar nesse segmento, a companhia vai estudar
o novo modelo do setor. O presidente da Triunfo Participações e
Investimentos, Carlo Alberto Bottarelli, também afirmou que a companhia
está começando a analisar o modal.
Em companhias já atuantes no modal, o interesse também existe. A Rumo
Logística, que não opera seu material rodante, planeja comprar cotas de
movimentação no novo modelo de concessões elaborado pelo governo
federal. Companhia controlada pelo grupo Cosan e que foi criada para
movimentar açúcar até o porto de Santos, o objetivo da Rumo é
transportar commodities agrícolas tradicionais, como soja e trigo, e
outras que podem ser classificadas como produtos industriais (dependendo
da empresa), como celulose.
A própria Cosan está entrando no setor ferroviário. Em 2012 fez
proposta de compra de uma participação de controle na ALL, negócio que
está em fase final.
No caso ALL, o diretor financeiro e de relações com o investidor,
Rodrigo Campos, disse que a companhia também vê como oportunidade
disputar as novas licitações para ampliar cargas.
Governo oferece garantia de compra total da capacidade
A fórmula que o governo usará para fazer a concessão de ferrovias é
parecida à que se aplica nas concessões das estradas. Será declarada
vencedora a proposta da empresa que apresentar a menor tarifa a ser
cobrada para o transporte de cargas em cada trecho. Na prática, ganha o
contrato que tiver uma taxa de pedágio de carga mais competitiva para o
usuário.
A proposta desenhada pela Agência Nacional de Transportes Terrestres
(ANTT) deve atrair fortemente a iniciativa privada, porque o governo
decidiu que irá garantir a compra integral de capacidade de transportes
de cada um dos 12 trechos que serão concedidos. Isso significa que a
empresa que entrar no negócio não terá risco de demanda. A estatal Valec
irá comprar 100% dessa capacidade de acordo com os preços assumidos no
leilão de concessão. Em seguida, assumirá a responsabilidade de vender
essa capacidade ao mercado.
A expectativa do governo é que, em parte dos trechos, haja competição
entre empresas interessadas em usar a malha ferroviária para
transportar cargas, o que garantiria uma margem de lucro à Valec. Num
segundo lote de trechos, porém, o governo sabe que não haverá uma forte
demanda, pelo menos nos primeiros anos de operação. Daí, o propósito de
mitigar o risco do investidor e garantir a contratação da capacidade,
atuando como indutor das ferrovias nessas regiões.
"Não existe um mercado adquirente consolidado no país, diferentemente
do universo rodoviário. Será preciso o governo realizar um esforço
adicional, no sentido de potencializar esse mercado, sobretudo nas rotas
que não sejam corredores de exportação", avalia José Eduardo Castello,
que comandou a estatal Valec até setembro do ano passado.
Ao assumir o risco pleno das ferrovias e a sua oferta ao mercado, o
governo quer acabar com o monopólio que hoje vigora no setor, onde as
atuais concessionárias têm exclusividade de transportes nas malhas que
assumiram. "Nessas circunstâncias a Valec não pode ficar atrás de uma
mesa esperando uma clientela que poderá não existir. Será necessário que
o processo de venda de capacidade, em alguns casos, esteja, por
exemplo, acoplado a uma oferta de equipamentos dinamizadores do
transporte ferroviário", comenta Castello.
Estudioso dos modelos de concessões ferroviárias utilizados na Europa
e Estados Unidos, Castello afirma que há vários equipamentos a serem
considerados, como os vagões "piggyback" (transporte de semirreboques
rodoviários), vagões "double stack" (duplo empilhamento de contêineres) e
vagões "roadrailer" (capazes de circular em rodovias e ferrovias).
No plano de concessão anunciado em agosto pelo governo, previa-se a
utilização de um modelo de parceria público-privada (PPP), mas segundo
Bernardo Figueiredo, presidente da estatal Empresa de Planejamento e
Logística (EPL), as ferrovias terão um modelo de concessão pura.
A linha de financiamento das estradas de ferro, que será oferecida
pelo BNDES, prevê uma carência de até cinco anos e juros baseados em
TJLP mais até 1%. O empréstimo pode ser amortizado em até 25 anos e a
alavancagem do financiamento pode atingir de 65% a 80% do custo total da
obra.
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