O plano de logística anunciado pelo governo parte, corretamente, do
diagnóstico de que o setor público não tem sido capaz de planejar a
infraestrutura. É preciso definir uma hierarquia de problemas
prioritários a resolver, fazer bons projetos para solucioná-los,
escolher a melhor modalidade de exploração (concessão, parceria
público-privada, ou gestão 100% pública), ou, ainda, integrar diferentes
projetos. De fato, atualmente constroem-se hidrelétricas sem que seja
aproveitado o potencial para a construção de eclusas que viabilizem o
transporte aquaviário; projetos de transporte urbano não têm conexão
entre si; obras ganham prioridade por desejo de governantes, e não como
resultado de estimativas de seu retorno econômico e social.
Foi criada a Empresa de Planejamento e Logística (EPL), com a tarefa
de definir prioridades, planejar e integrar os investimentos em
infraestrutura. A EPL poderá chamar para a mesma mesa diversos
ministérios, Ministério Público, Ibama e Tribunal de Contas da União
(TCU) durante a elaboração dos projetos, para encontrar soluções
técnicas que evitem contenciosos futuros e reduzam o risco de
paralisação de obras. Poderá, também, avaliar a posteriori os
investimentos realizados para evitar repetição de erros e aperfeiçoar o
processo de planejamento. Trata-se, portanto, de um poderoso instrumento
de planejamento e gestão que pode levar a grandes ganhos na qualidade
da infraestrutura disponível.
Porém, a pressa de concluir projetos para mostrá-los na propaganda
eleitoral pode dificultar a estruturação da EPL. Trata-se de uma empresa
nova, que precisará contratar engenheiros, organizar seu funcionamento,
estabelecer rotinas. Isso toma tempo. Apressar projetos significa
manter a lógica de querer fazer rápido e acabar fazendo mal feito, o que
desestrutura qualquer tentativa de hierarquizar e estudar os problemas e
projetos. O timing da política é diferente do timing do desenvolvimento
econômico, e a pressa é o que diferencia o político comum do estadista.
Há também o risco de o governo se afastar do diagnóstico de que o
problema central está na qualidade dos projetos e, como já ocorrido no
passado, voltar a direcionar as suas baterias para o sintoma e não a
causa do problema: a atuação de órgãos de controle (TCU, órgãos
ambientais, Ministério Público). Esses órgãos, na maioria das vezes,
interrompem obras que estão baseadas em projetos ruins, superfaturadas
ou com outras irregularidades graves. É verdade que há casos de atuação
quixotesca, como a recente interrupção da construção de Belo Monte, ou
decorrente de interesses privados. Mas essas são exceções, que podem ser
combatidas com recurso a instituições como o Conselho Nacional de
Justiça, ou pelo debate nos fóruns governamentais. Atropelar os órgãos
de controle é fazer a festa de quem quer lucrar à margem da lei.
Outro risco está na origem da EPL. Originalmente ela seria a ETAV,
empresa criada pra administrar o trem-bala: um projeto que está longe de
ser prioritário, com graves falhas de planejamento e com alto risco de
gerar grande passivo para o governo. Se a transformação da ETAV em EPL
decorre de que o governo resolveu colocar o trem-bala em banho-maria,
passando a priorizar projetos mais importantes, temos um cenário
benigno. Porém, se o governo insistir em levar a frente aquele projeto, a
EPL corre o risco de concentrar toda a sua incipiente capacidade
gerencial e técnica em um único projeto de alta complexidade, e será
incapaz de cumprir a função de viabilizar os melhores projetos de
infraestrutura.
Há, ainda, o risco de a EPL ser capturada por interesses corporativos
de grupos dedicados a cultivar boas relações políticas, ou de se
transformar em um planejador estatal à moda antiga, que acredite ser
capaz de impor projetos aos parceiros privados. Disso resultariam
projetos ruins, com alto custo de oportunidade na alocação de recursos
públicos e privados.
Restam duas questões centrais. A primeira é como financiar o aumento
nos investimentos em infraestrutura. O capital privado que será
investido em infraestrutura não é "dinheiro novo" que entra na economia.
Permanece no país o velho problema de baixa poupança. O capital que o
setor privado investirá em infraestrutura terá que ser deslocado de
outros investimentos, que passarão a enfrentar escassez de
financiamento. Tal escassez só não ocorrerá se o governo aumentar a sua
poupança, por meio do controle do gasto corrente, reduzindo a sua
demanda por recursos para financiar sua dívida. Ou, alternativamente,
teremos que absorver poupança externa, aceitando a valorização do real e
a ampliação do déficit em conta corrente. Ou seja, o uso de concessões e
PPP não afasta a restrição ao investimento imposta pela baixa poupança
nacional. Ela apenas viabiliza que, havendo uma madura e equilibrada
relação contratual, os investimentos em infraestrutura sejam mais
produtivos.
O segundo problema reside na enfática determinação do governo de
tabelar a rentabilidade dos parceiros privados, impondo limites à taxa
interna de retorno das concessões. Ora, cada candidato a concessionário
tem o direito de apresentar, no leilão de concessão, a oferta (e
consequente taxa de retorno implícita) que lhe parecer mais adequada,
taxa essa que levará em conta o risco específico de cada um e será
confrontada com a remuneração das demais possibilidades de aplicação dos
recursos envolvidos. Ao final, o leilão decide quem leva a concessão.
Quem compra sapato barato, leva para casa um produto de qualidade
inferior. Na compra de infraestrutura é a mesma coisa: dificilmente se
pagará barato por uma estrada de primeira. A diferença em relação ao
sapato é que o comprador dessa mercadoria sofre sozinho as consequências
da sua escolha. No caso da infraestrutura todo o país sofre com a
escolha errada do governo.
*Raul Velloso, Marcos Mendes, César Mattos e Paulo S. Freitas
01/10/2012 - Valor Econômico
*Raul Velloso é Ph.D. em economia e consultor econômico. Marcos Mendes, César Mattos e Paulo S. Freitas são consultores legislativos e doutores em economia.
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