O governo vai exigir que as atuais concessionárias de ferrovias recuperem 5 mil quilômetros de estradas de ferro que estão totalmente
abandonados. Ao todo, as concessionárias terão de consertar 49 trechos
de malha, um conjunto de obras que poderá custar até R$ 5 bilhões. A
determinação da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT)
atinge, essencialmente, três das 12 empresas concessionárias que
controlam a malha nacional: América Latina Logística (ALL),
Transnordestina Logística e Ferrovia Centro-Atlântica.
Segundo a ANTT, dos 28 mil km de ferrovia que foram concedidos na
década de 1990 pelo governo, 23 mil km possuem hoje algum tipo de
operação comercial, embora a maior parte dessas linhas ainda tenha
grande potencial para ampliar as atuais taxas de transporte de carga.
A ANTT vai exigir a recuperação dos trechos abandonados, porque
avalia que muitos desses trechos passaram a ter demanda, mas estão em
situação absolutamente precária, embora as concessionárias, por
contrato, tenham assumido a obrigação de manter as suas malhas em plenas
condições de uso.
É o caso, por exemplo, do trecho paulista localizado entre os
municípios de Pradópolis e Barretos. Nesse corredor de 131 km, diz
Marcus Expedito Felipe de Almeida, gerente de transporte ferroviário de
cargas da ANTT, existe hoje uma forte procura para viabilizar o
escoamento de cana, açúcar e álcool. "Outro trecho que vive essa mesma
situação está localizado entre as cidades de Tupã e Adamantina. São mais
72 quilômetros de ferrovia que precisam ser recuperados para atender
uma demanda que já existe."
O fato de existir demanda ou não nos trechos, porém, não desobriga as
concessionárias de reformar as estruturas abandonadas, segundo Fábio
Coelho Barbosa, gerente de regulação e outorgas ferroviárias de cargas
da ANTT. "A regularização da malha é uma exigência e isso não se
discute. Ela terá que ser feita. Depois veremos se a concessionária tem
interesse ou não em oferecer serviço logístico naquele trecho. Isso é
outra discussão. E caso ela não queira a malha, a ferrovia ficará a
total disposição do mercado", diz Barbosa.
A exigência de reformar 5 mil km de ferrovia poderia levar as
concessionárias à decisão de, simplesmente, devolver esses trechos que
não são utilizados. Para isso, no entanto, precisam pagar uma
indenização que, pelos cálculos da ANTT, pode atingir o mesmo custo de
recuperação da malha. "Estamos tomando todos os cuidados para garantir a
viabilidade da ferrovia. Se a empresa quiser entregar o trecho, ela até
pode, mas tem que pagar pelo custo de reforma. Não tem como escapar",
diz Almeida.
A ANTT chegou a calcular, por exemplo, a devolução dos 334
quilômetros que ligam Barão de Camargos (MG) e Lafaiete Bandeira (MG),
malha controlada pela Ferrovia Centro-Atlântica. Chegou-se à conclusão
que a indenização atingiria R$ 600 milhões. "É praticamente o preço de
recuperar a infraestrutura", diz Almeida. Nos cálculos da agência
reguladora, cada quilômetro de malha a ser recuperada vai custar entre
R$ 700 mil e R$ 1 milhão.
As imposições feitas às concessionárias fazem parte de uma série de
mudanças que a ANTT prepara para o setor. A agência está prestes a mexer
numa das áreas mais sensíveis do atual modelo de transporte de carga:
as metas de transporte, as quais levam em conta o peso total da carga
transportada por ano.
Pelo regimento que esteve em vigor até o ano passado, as
concessionárias precisavam apresentar apenas uma meta de transporte, que
se atrelava à extensão total de sua malha. Isso significa que bastava
somar tudo o que foi transportado e dividir esse volume pela
quilometragem total da malha concedida para chegar a uma média, embora
se soubesse que a maior parte dessa carga trafegou em apenas alguns
trechos da ferrovia.
O resultado prático dessa realidade é que, com a incapacidade da ANTT
de fiscalizar todas as operações, as concessionárias atingiam a meta
que haviam proposto, deixando de dar qualquer tipo de manutenção
naqueles trechos que não utilizaram. "Agora isso acabou", diz Barbosa.
"O modelo atual passou a exigir uma meta de transporte por trechos.
Agora vamos saber exatamente o que está acontecendo em cada ponto da
ferrovia."
Ao fatiar as estradas de ferro, a ANTT quer incentivar a entrada de
outras empresas interessadas em aderir ao transporte pelos trilhos,
situação que incomoda as atuais concessionárias, que até agora detêm a
exclusividade das malhas que assumiram. A agência já tem nas mãos um
levantamento detalhado da movimentação atual de cargas feitas em cada
trecho das ferrovias concedidas. Esse material, que foi elaborado pelas
próprias concessionárias, será agora confrontado com levantamentos
internos da ANTT.
Em até 60 dias, diz Almeida, a agência divulgará quais serão as metas
de transporte de cada trecho que as concessionárias terão de cumprir
entre 2013 e 2017. Se uma concessionária não bater a meta estipulada,
pode sofrer multas pesadas e, na persistência dos problemas, pode até
ter a concessão cassada pela agência reguladora.
Jornal Valor 28 junho 2012
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